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A VELHA MALTA

domingo, 13 de fevereiro de 2011

VIVA AS MULHERES (esboço de romance)


ZEZA, a filha

Dorinhas de Jesus Martins tinha 19 anos quando apareceu ali pelo sítio das hortas o que naquela altura era costume, as pessoas desciam da serra até à planície em procura de trabalho e Dorinhas arranjou-o com cama e mesa, trabalhos domésticos e trabalho de campo. Nada lhe metia medo. Era uma moça roliça e apetitosa de tal modo que o Mateus da venda, quando a via passar, metia-se com ela, dizendo-lhe, adeus ó Dorinhas, como vai isso hoje? E Dorinhas acenava-lhe com a mão e sorria.

A vida de Dorinhas não foi fácil ou melhor, tornou-se difícil quando Maria José nasceu. Dorinhas foi mãe solteira e isso foi muito comentado na aldeia. Dorinhas aguentou-se quanto pôde mas um dia explodiu, quando um de fora da terra, mas que frequentava a venda do Mateus, estando já com a bebida avançada, de copo na mão, lá para as 18 horas, numa altura que Dorinhas regressava a casa, o “estrangeiro” lhe atirou.

- Não tens vergonha do que andas a fazer?

Dorinhas chegou-se perto do atiradiço e perguntou-lhe:

- Qual é o problema ó meu amigo’ O que é que o cavalheiro tem a ver com a minha vida ? O que é que o incomoda? O cavalheiro tem mãe ? Peço-lhe que não se meta comigo, percebeu ?
Foi mais ou menos neste ambiente de dúvidas, digamos assim, que Zeza viveu. Dorinhas tinha personalidade, mas, por vezes via-se na necessidade de dobrar a espinha, porquanto não tinha recursos para erguer a sua voz, perante situações difíceis que lhe surgiam. Os leitores dirão que isso não é assim. Que pessoa que se preze, tem, seja quais forem as circunstâncias, a cabeça levantada sempre, não vacila. Mas a vida de Dorinhas não foi fácil; trabalhou sempre, lutou sempre, quis sempre defender a dignidade das mulheres, mas teve que ceder algumas vezes. E sofreu.

Zeza quando presenciava estas coisas desagradáveis, não dizia nada, mas dentro de si sentia subir uma raiva que às vezes era difícil controlar. Foi neste ambiente que Zeza viveu até aos catorze anos, quando pegou nas trouxas e seguiu com o Reinaldo Passos para França.

Estamos nos anos setenta do século passado. As pessoas sem formação académica suficiente tinham dificuldades em arranjar trabalho e então emigravam. Foi o que fez Zeza, que, aos quinze anos abalou, quando era uma mulher já, espevitada quanto baste, ninguém lhe fazia o ninho atrás da orelha. Sabia ler e escrever bem e o Reinaldo mandava-lhe versos de amor. Às vezes encontravam-se às escondidas e lá iam uns beijos e outras coisas mais. Uma noite voltou para casa já tarde e a mãe ralhou-lhe e disse.

- Zeza, onde estiveste até agora?

- Estive à fala com o Reinaldo, mãe.

- Filha, tem cuidado com esses rapazes, repara no que me acontece a mim, exploram as minhas fraquezas, e eu não quero mas tenho de ceder porque a vida não me sorriu nunca. Mas eu hei-de sorrir para ela. Tu não percebes nada da vida, tens de aprender Zeza. È muito difícil, mas vais ter que aprender, porque se não aprenderes vais sofrer muito.

Zeza ouvia os recados da mãe com atenção mas com muita raiva simultaneamente. Era uma mulher, podemos dizer isso, já conhecedora e, no seu interior, assumia que as coisas com ela haviam de mudar. Haveria de comprar livros, haveria de estudar, saber como tinha sido a vida das mulheres desde tempos mais remotos, haveria de se documentar e alertara as companheiras no local de trabalho, em suma, onde isso fosse possível.

-Mãe, não te preocupes comigo Mãe, disse Zeza.E deu um beijo na Mãe e foi-se deitar.


JBS

2 comentários:

  1. A Zeza que eu conheci.

    Não era Zeza,mas faz de conta. Não era filha da Dorinhas mas de uma Dorinhas qualquer.
    Nasceu ali, a dois passos da cidade, da cidade antiga, hoje já lá está a "semi metróple",cresceu a cidade e as mentalidades tambem. E, ainda bem.
    Não conheceu um Reinaldo. Foi sózinha mundo fora com o filho, mãe solteira,jurando amôr a quem não a merecia ou não tinha força para dizer ao pai tirano não!
    Zeza amou e ama o pai do filho. Jurou a si própria que homem algum lhe tocaria enquanto o pai do filho fosse vivo e a ela a morte a não levasse.
    Cumpriu a jura. Amou sem exigir. O filho, a quem o pai negou paternidade cresceu como sózia do dito...quem os conheceu podia facilmente confundi-los.Teve para conforto de seu espirito ver o fruto do seu amôr tornar-se um homem digno.
    Eu conheci...e conheço.
    Como eu queria ter talento para contar esta estória que vivi de perto.
    mas não tenho.
    Fica a verdade do texto e para quem conhece é só acrescentar os nomes.

    abraço joão

    Diogo

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  2. MEU CARO AMIGO.

    Viva.
    Surpreendes-me a cada curva do caminho.. O texto é pura ficção, mas é possível que haja por aí acontecimentos semelhantes.

    Como essa história que tu conheces.

    O Zé Elias tem razão sim senhor.

    Ob e um abraço

    João

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