FOTO DO ALMOÇO ANUAL

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A VELHA MALTA

sexta-feira, 6 de maio de 2011

ENTREVISTA COM O Dr. RUI MOREIRA





ENTREVISTA COM O PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DO PORTO, Dr. RUI MOREIRA, para o jornal "O OLHANENSE".

Por João Brito Sousa

… estive quase morto no deserto…e o Porto aqui tão perto.
Sérgio GODINHO

Nem sempre o Porto esteve perto de todos nós. E ainda não está. Mas não há razão para tal. Percebi isso agora desde que resido nesta enorme cidade. Diria enorme em tudo. Sobretudo na Honradez. Há orgulho na pronúncia do Norte e nessa coisa de ser nortenho. E a cidade ama e é amada. Vê-se isso, claramente, na literatura de Miguel Veiga, que me enviou a sua obra, O Meu Único Infinito é a Curiosidade” com prefácio de Baptista-Bastos e trata-me por querido amigo, vê-se nos escritores Álvaro Magalhães, Francisco José Viegas, em António Manuel Pina, Germano Silva, Hélder Pacheco e tantos outros.



Sabe-se que existem feridas dum passado mais ou menos longínquo que ainda perduram. Vi isso naquele cavalheiro de oitenta anos, no restaurante onde ia começar a almoçar, quando no noticiário da uma, na TV, o locutor disse: “não há dinheiro para o Metro do Porto.” E logo o velhote, levantando-se e mais ou menos furioso, disse: “se fosse para Lisboa já havia”
A região norte tem a sua maneira de ser e é preciso percebê-la. Melhor, estuda-la, i.e aprender com eles. E há muito que aprender. Todos os dias.



Pretendi fazer um trabalho onde nos encontrássemos todos e déssemos as mãos. Não sei se consegui. De qualquer maneira, esta entrevista ao Dr. Rui Moreira, distinta personalidade do Norte, foi bem recebida por muitos amigos meus. O Engº portuense Faro e Barros disse-me, esse é bom, de Washington, um amigo meu disse-me, gosto dele, o meu amigo Joaquim do restaurante Noruega da Fuzeta disse-me, sou portista, por causa de uma defesa que o Américo fez no estádio do Olhanense e muitos outros me disseram o mesmo. E pensei no assunto. E graças à simpatia do Dr. Rui Moreira, o trabalho fez-se. E vai a seguir.



Rui de Carvalho de Araújo Moreira, nasceu no Porto em 8 de Agosto de 1956 . É portador de um curriculum académico brilhante e tem no campo profissional desempenhos de grande eficácia. Frequentou o Colégio Alemão do Porto e o Liceu Garcia de Orta e licenciou-se em Gestão de Empresas pela Universidade de Greenwich em Londres em 1978.É membro do Senado da Universidade do Porto e desde 2001, Presidente da Associação Comercial do Porto e também membro do Conselho Consultivo da Faculdade de Economia e Gestão da Universidade Católica.
Foi desportista internacional, na disciplina de Vela tendo obtido vários títulos de campeão nacional em seniores e juniores em várias classes. È comentador desportivo em programas de televisão e assina colunas regulares em diversos jornais, como é o caso do Público, e é habitualmente convidado para conferências e debates, nomeadamente sobre a Região Norte e o






Grande Porto, tendo colaborado activamente nos encontros "Porto Cidade Região"



Membro da Comissão de Honra da candidatura de Mário Soares à presidência da República, Rui Moreira é apontado, por muitos, como candidato a uma brilhante carreira política.
Rui Moreira foi condecorado pelos governos da Hungria e da Itália.



É responsável pela edição do «Tripeiro», órgão de informação de propriedade da Associação Comercial do Porto, uma revista de culto e tradição, com preocupações de natureza literária e que guarda a memória colectiva da comunidade portuense, que cultivando a identidade Portuense, recorda-nos o que foi o Porto, para que o preservemos, mostra-nos o Porto que somos, para que o sintamos, e ajuda-nos a antever o Porto que seremos, para que o possamos prevenir



Foi com esta ilustre personalidade que estivemos à conversa e resultou no que se vai a seguir.

1 - Jornal «O OLHANENSE» (JO) - O nosso jornal gostava de aproximar as cidades do Porto e de Olhão, numa altura que o jornal do clube atinge o nº 1000. Que tal a ideia?
(RM) Acho uma ideia excelente. Duas cidades costeiras, mas tão longínquas…
2 - (JO) - O que foi o Porto de que fala o "Tripeiro"?
(RM) – O Tripeiro fala do Porto profundo, do Porto das pessoas e das gentes. Fala da história passada e regista, também, a história presente, para que esta possa ser recordada mais tarde. Há alguns anos, a revista caíra na tentação de só falar do passado. Não era essa a sua génese. Hoje, fala dos protagonistas, dos problemas da cidade, sempre dentro de uma perspectiva histórica.



3- (JO) - Será mais fácil falar do Porto de hoje?



(RM) – É mais difícil, porque ao falar do presente, não conseguimos o distanciamento, a isenção. Nesse caso, precisamos de confrontar várias fontes, procuramos conjugar vários depoimentos, muitas vezes contraditórios. É assim que se faz a história.



4 - (JO) - A identidade portuense como a vê ?



(RM) – O meu livro “Uma questão de carácter” foi dedicado a esse tema, como sabe. Prefiro citar uma pequena passagem do que, a propósito, então escrevi:
Apesar de ser uma cidade de pequena dimensão e diminuta importância, porque mesmo em Portugal é pouco influente, e ainda menos afluente do que quer que seja, o Porto tem um carácter inconfundível. O que está longe de ser um aspecto desprezível e o que, sendo um motivo de orgulho, também é causa de muitas preocupações.Esta identidade complexa e única não decorre apenas da sua história ou, pelo menos, da história que é contada pelos compêndios e pelos manuais. Afinal, sob esse ponto de vista, todas as cidades têm histórias diferentes, e a nossa, que reclama ser Invicta, também sofreu os seus sobressaltos. Creio que a marca de água do Porto resulta das suas resistentes e fortes tradições, de uma versão plebeia e não escrita da história, e também, ou principalmente, do facto de ser a primeira das cidades atlânticas da Europa. Não a maior, obviamente, mas a primeira, já que é a mais meridional de uma cadeia de cidades costeiras e portuárias que se estende pelo Norte de Espanha, pela Gasconha, pela Bretanha e Normandia, pela Bélgica e pela Holanda até às cidades hanseáticas da Alemanha. Todas estas cidades têm climas parecidos e muitas outras semelhanças entre si.
Isto mesmo, ouvi, um dia, Jorge Sampaio confessar, ao dizer que quando chegava ao Porto e percorria a Foz e depois subia a marginal, sentia que estava numa cidade do Norte da Europa, pelas suas cores e pela estreiteza do seu rio, em contraste com Lisboa, com a luz que a define e o seu rio espraiado a que alguns lisboetas chamam mar. E, de facto, enquanto Lisboa é uma cidade do sul da Europa, que tem um rio que é também um horizonte, o Porto é, na sua morfologia e na sua arquitectura e urbanismo, que aproveitaram ou se resignaram às suas condições naturais, a mais meridional dessas cidades atlânticas, a primeira do norte da Europa.Mas também resulta em muito, essa sua natureza diferente, das suas gentes. Da sua forma de estar, de falar, da sua franqueza, da sua generosidade e da sua irascibilidade, que é caracteristica comum a quase todos os que cá vivem, e que nem sempre é muito apreciada, sobretudo entre aqueles que cultivam as boas maneiras e a gentileza das palavras como forma de esconder a adulação, a mentira e a hipocrisia dos jogos de poder. O Porto tem, na verdade, um carácter irrepetível e único. E é bem sabido como naturezas diferentes e modos de ser únicos se pagam caro, ou em razões de incompreensão, ou como alavanca da necessidade de traçar os próprios rumos e afirmar, sem dependências ou sujeições, essa identidade. O que o Porto sentiu desde cedo, e o que o obrigou a tratar da vida.



É esta a minha convicção profunda sobre esta identidade tão carregada, cheia de contrastes e contradições.



5 - (JO) - Não, o Porto não precisa de "portuenses" que o amesquinhem... - disso se encarrega o Terreiro do Paço, escreveu Hélder Pacheco, no JN, Passeio Público de 29/10/2009. O que é que isto quer dizer?



(RM) – Quer dizer que há, também no Porto, quem não honre as suas tradições, quem ofenda a sua honra e o seu carácter. Creio que Helder Pacheco se referia aos portuenses que tudo criticam, o que é um hábito muito português, e também portuense. Mas, a minha preocupação é outra. Como escrevi:



Hoje, o Porto, enquanto sociedade, é menos liberal e mais fechado, mais agreste e menos permeável. Até as suas elites parecem desmobilizadas, descrentes e, por vezes, rancorosas. Agustina Bessa Luís, que não se conformara com a destruição do jardim da Cordoaria, sentenciaria que a cidade mudou e perdeu a sua graça.



Nada que nunca tenha acontecido. O Porto teve, ao longo dos últimos séculos, momentos em que se abriu ao exterior e outros tempos em que, por contraste, se fechou. Mas, nestes tempos, corre hoje um risco maior, inédito, porque o fim da sua burguesia liberal e o envelhecimento das últimas dessas suas elites parece estar a ocorrer em simultâneo com o aparecimento, aqui e ali, de um proselitismo que não é de bom augúrio, nem poderá trazer consigo nada de bom.



Há uma nova forma de arrogância, por vezes “rebocada” pelos êxitos do Futebol Clube do Porto, que parece estar na moda e que nada tem a ver com a velha rudeza que caracterizava a sociedade portuense. Essa arrogância, que alterna com uma tendência, também muito notória, para o queixume e para a maledicência, contrasta com o carácter da cidade que segundo Miguel Veiga “se vertebra na firmeza das suas convicções, no respeito das diferenças e das fraquezas e onde a humilhação e a queda de um homem não dão prazer a ninguém.”

6 - (JO) - O Norte terá perdido a sua força reivindicativa ? Se sim, quais as razões?



(RM) – Creio bem que não. Num recente discurso, por ocasião da visita de Pedro Passos Coelho ao Porto, disse o seguinte, no meu discurso:



Vive-se no Norte, um ambiente extremamente depressivo. Todos o sabemos, e compreendemos as razões. Por isso, estamos disponíveis para continuar a fazer sacrifícios, a bem de Portugal.
Contudo, engana-se quem subvaloriza esta situação, e ilude-se quem acredita que tudo iremos aceitar com conformismo e resignação. Há hoje um sentimento latente de injustiça, face ao sobrepeso do Estado que se concentra em Lisboa e aniquila as nossas empresas, e um sentimento inequívoco de revolta contra a duplicidade dos políticos, principalmente daqueles que esquecem o interesse dos seus eleitores. Engana-se quem pensa que o Norte vai continuar a pagar a factura da farmácia, se os remédios forem meros paliativos que, por norma, são todos utilizados para benefício da capital.



É, por isso, porque há uma situação de desigualdade gritante e um sentimento de revolta que é preciso contrariar, que aqui faço um apelo para que se tomem medidas urgentes para contrariar essa situação.



Creio que o espírito de revolta está vivo, ainda que dormente. Queira Deus que não acorde em sobressalto…



7 - (JO) - Considera que há falta de líderes na região Norte?



(RM) – Não, acho que há líderes, como Rui Rio por exemplo.



8 - (JO) - A campanha de Humberto Delgado em 1958, iniciada no Porto, foi importante para a cidade?



(RM) – Foi muito importante. Curiosamente, o país divorciou-se de Salazar no Porto. Com o Bispo do Porto, os católicos afastaram-se do regime. Com Humberto Delgado, a burguesia virou as costas ao Estado Novo. Não fora a guerra colonial, que por questões patrióticas uniu o país numa primeira fase, e o regime teria mudado no início dos anos sessenta.



9 - (JO) - O Algarve, o que lhe diz?



(RM) – É um dos meus destinos de férias favoritos. Apesar de viajar muito, continuo a fazer férias cá dentro. Mas, é também uma recordação, dos anos sessenta em que a costa algarvia ainda não fora desfigurada, em que havia pescadores e gente simples, afável. Felizmente, a serra escapou a essa pseudo-modernidade do betão e das marquises.



10 – (JO) – Já agora, a imprensa regional, como a encara?



(RM) Tenho um enorme carinho pela imprensa regional, que é, se assim quiser, um hino contra a globalização. Hoje, de Nova Iorque e Paris, de Lisboa a Hong Kong, as primeiras páginas dos jornais são iguais. A imprensa regional é o nosso mundo, a nossa intimidade, a nossa proximidade. Em suma, há uma enorme cumplicidade que só existe à custa da abnegada e heróica imprensa regional ou local.

Jbritosousa@sapo.pt

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